14 de abr. de 2014

O que você faria? Parte I.

Por Victor Neves

Em tempos de redes sociais e “democratização da informação”, 15 dias aparentemente é tempo demais para se voltar a um assunto. Assim, vimos na primeira semana de abril certa movimentação em torno do tema “50 anos do Golpe (Empresarial-)Militar”, mas agora já deu. Duas semanas depois, “requentar essa pauta” seria muita falta de assunto de quem é obrigado a escrever uma coluna a cada 15 dias, “afinal tanta coisa importante está acontecendo como por exemplo a impactante remoção da Favela da TELERJ e quem vive de passado é museu”... Só que não.

Correndo o risco de contrariar meus amigos mais chegados ao “aqui e agora” e ao “tudo novo de novo”, durante essa e as próximas semanas eu queria aprofundar com vocês uma impressão. O ponto de partida é o seguinte: não consigo deixar de pensar que essa “desocupação” (aliás, taí algo notável, verdadeira guerra de termos: os ocupantes “invadem”, mas a polícia “desocupa”...) tem muito a ver com aquele golpe. E já que os tempos no Brasil são de novo-desenvolvimentismo, busquemos então “desenvolver” esta relação.

01. Golpe e amnésia na esquerda

Não falo apenas do ato – e da corriqueira truculência – policial enquanto tal. Nem mesmo do fato de nosso judiciário ter a cara de pau de autorizar tranquilamente este tipo de reintegração de posse, mandando às favas dispositivos constitucionais referentes à chamada função social da propriedade e outras vitórias da classe trabalhadora brasileira inscritas na Constituição de 1988... Falo de outra coisa, relacionada a estas mas que não se reduz a elas. Falo de uma dimensão que aponta no sentido mesmo em que discuti o golpe na última coluna aqui no Blog do CQP!.

Naquele texto, afirmei que o golpe foi um grande sucesso no terreno cultural, pois conseguiu o que queria: emburreceu o país. Do debate sobre a “revolução brasileira” passamos ao debate sobre as “estruturas inconscientes como determinantes do real”; da riqueza de posições no pensar os caminhos que o Brasil deveria seguir, passamos à afirmação do “único caminho possível”; de Gilberto Gil e Capinam passamos a Gilberto Gil e Jorge Mautner... Quem não pagou com a vida, a saúde ou o exílio por suas posições políticas tendeu a, cada vez mais, se adaptar ao ambiente constrangedor criado pelo regime, ou então, mesmo criticando, “falar de lado, olhando pro chão”.

Tratou-se, no caso, de “apagar seletivamente” a memória coletiva brasileira. Apagá-la para o que dizia respeito a suas próprias lutas, a suas dúvidas, às respostas que encontrou para elas, às soluções que encaminhou para seus próprios problemas. Apagá-la no que dizia respeito a sua experiência de classe entendida historicamente.

Quando a ditadura começou a fazer água, surgiu um partido “de novo tipo”. Um partido que se afirmava “verdadeiramente da classe trabalhadora”. Um partido capaz de inventar o novo, porque “não comprometido com os políticos e a política tradicionais”. Um partido que “não precisava de intelectuais para dizer-lhe o que fazer”, pois nele “as decisões partiam de baixo pra cima, e ninguém melhor que a classe trabalhadora para saber o que quer a classe trabalhadora”.

Assim, em 1982 foi fundado em São Paulo, no Colégio Sion, o Partido dos Trabalhadores. Este partido, 20 anos depois, pôs pela primeira vez na Presidência do Brasil um operário, que entre outras façanhas “novo-desenvolvimentistas” conseguiu atrair a Copa do Mundo e as Olimpíadas para o Brasil e o Rio de Janeiro.

(continua na próxima coluna...)