30 de jan. de 2015

O Comuna entrevista Marina Iris

Por Caio Martins e Filipe Boechat

"Lugar de mulher é... é onde ela quiser", diz o nosso samba de 2015. E Marina Iris felizmente escolheu brilhar também com o Comuna Que Pariu!. Uma das cantoras do nosso querido bloco, vive um momento especial em sua carreira com o lançamento de seu primeiro disco. Nessa entrevista, conversamos sobre seu trabalho, sua trajetória, política, carnaval e muito mais. Confira aí!

CQP! ▶Marina, muito obrigado por nos conceder essa entrevista. Você poderia começar falando um pouco do seu trabalho e sua trajetória no samba e na militância para os nossos leitores?

Minha carreira começou quando, em 2007, na Uerj, fiz amizade com Manuela Trindade, compositora e percussionista que cursava Letras comigo, e Maurício Massunaga, violonista que cursava Ciências Sociais na época. Descobrimos que três aspectos de nossas vidas nos uniam: a esquerda, o samba e o futebol. A partir daí, foram muitos ensaios, debates e jogos do Mengão. Com eles, entrei na música de cabeça e comecei a levar a coisa a sério. As apresentações iam do Diretório Acadêmico Lima Barreto aos palcos da Lapa. Das canjas nos shows da Nina Rosa, em Vila Isabel, às homenagens a grandes compositores do samba.

A antiga parceria: Maurício Massunaga (violão),
Manuela Trindade (pandeiro) e Marina Iris
Lembro que na Copa de 2002 - a esta altura a parceria com Tomaz Miranda, cavaquinista de primeira, já era fato - fizemos uma apresentação com diversas músicas que tratam de futebol. O debate acalorado sobre se deveríamos ou não cantar o tema da Copa de 70 faz parte do meu repertório de histórias de bar até hoje. O desfecho: decidimos cantar, mas falar alguns minutos sobre a ditadura brasileira. E a conversa com o público deu molho à roda. Seguimos assim, compondo, cantando, debatendo.

Ano passado, organizamos, junto com músicos militantes de diferentes partidos de esquerda e de movimentos populares, algumas rodas de samba na porta da Câmara Municipal, como forma de protestar e de nos juntarmos aos camaradas que ali estavam ocupando e reivindicando.


Em outro momento, contra a remoção da Favela do Metrô, recorremos aos versos de Nelson Cavaquinho, Cartola, Nelson Sargento, Carlos Cachaça e toda a comunidade cantou. E a criançada pegou latinhas vazias e pedrinhas para fazer seus caxixis improvisados.

Os eventos foram um barato e mais uma vez a música e o povo deram seu recado. E continuam dando com o Bloco do Nada, com o Bando, o Bonde - frente artística de esquerda e o Comuna que Pariu, dos quais faço parte, com o povo do Samba Brilha, que luta pelo carnaval com dignidade para os blocos tradicionais do Rio, e tantos outros.

Com essa turma toda, a música põe na pauta temas muito importantes. Destaco o clipe contra a homofobia que o Bando elaborou quando um jogador do Corinthians foi hostilizado por tirar uma foto dando um selinho em outro homem [confira aqui]. E o Comuna, que esse ano vai pra rua com o enredo "Lugar de mulher é onde ela quiser". Serão centenas de pessoas cantando: "machismo é porrada e piada sutil". A boa ironia está aí: o samba, que assim como o esporte bretão sempre foi dominado por homens heterossexuais, reclamando o direito das mulheres e à diversidade sexual. Vai dar pé.

Assim como deu pé a conversa informal que tive, em 2012, com Andréa, uma grande amiga, e sua família, no quintal de sua casa em Oswaldo Cruz, onde fazíamos rodas de samba com frequência. O papo sobre militância e a cena independente, ao invés de nos apontar as dificuldades, nos motivou, nos fez pensar que os amigos comprariam a ideia de organizarmos eventos para arrecadar fundos para a produção de meu primeiro disco.

E assim foi, juntamos as forças. Em 15 de dezembro, após um bingo, duas feijoadas e uma rifa, fiz um lindo lançamento do meu CD no Teatro Rival. Contando com muitas participações, inclusive a da bateria do Comuna que Pariu.

O repertório juntou tudo aquilo que eu já cantava, muitas músicas de novos compositores, de gente que está chegando e se articulando para que o samba continue forte: João Martins, Buchecha, Rafael de Moraes, Manu e Tomaz. E muito mais.

O carnaval, a resistência negra e a autonomia da mulher ficaram a cargo de Moacyr Luz e Aldir Blanc, em "Vitória da Ilusão" e "Rainha Negra", e Mário Lago e Erasmo Silva, em "Gilda".


Marina Iris em show no Teatro Rival.
CQP! ▶ O Comuna Que Pariu! existe desde 2009, quando foi fundado pela UJC. Como foi seu encontro com o CQP e de que forma se integrou ao Bloco?

Amigos filiados ao PCB me apresentaram o bloco há 3 anos. De cara me agradou muito a proposta do bloco: pular carnaval defendendo pautas de esquerda.
De lá pra cá, vim estreitando cada vez mais meus laços com a turma.

CQP! ▶ Além do CQP, há outros blocos que se engajam e se solidarizam com as lutas dos trabalhadores no Brasil: Bloco do Nada, Apafunk, Samba Brilha, Prata Preta e outros. Como você vê este fenômeno no carnaval do Rio de Janeiro e no mundo do samba?

No carnaval sempre houve crítica, escracho, subversão de uma ordem. Muitos blocos, menos ou mais politizados, mantêm ou mantiveram por muito tempo esse espírito.

É certo que a coisa foi ficando mais limitada com o tempo, não sei se por cansaço, falta de interesse na política ou pelo rumo que o carnaval de rua foi tomando mesmo. Muitos blocos grandes (mais volumosos), que iam pra cima de governos, batiam em corruptos etc., passaram a exercer outra função.

Acho bastante natural o surgimento ou o fortalecimento de blocos como Comuna, Samba Brilha, Mulheres Rodadas, Bloco do nada no contexto de hoje, após jornadas de junho, aquecimento de pautas como o combate ao machismo, racismo, homofobia.

Marina Iris e Buchecha comandando
 a roda de samba do CQP! (mai/2014).



CQP! ▶ Há muita diferença entre cantar no palco das casas de show do Rio de Janeiro e nos blocos de carnaval? A preparação e a técnica são as mesmas ou é muito diferente?

Há muita diferença. A fantasia é outra. Sempre que posso, não bebo em show. Em blocos, bebo o quanto posso.

CQP! ▶ Você, além de cantora, também é compositora. De onde costuma vir as inspirações para suas músicas?

Não sou compositora, compositora. Acho que minha inspiração deve vir de muito longe, por isso que vem só às vezes. (risos) Funciono bem no coletivo, não consigo pensar começo, meio e fim de uma música sozinha. Só consegui duas vezes. Por isso adoro fazer samba de bloco. Geralmente junta um monte de gente.

CQP! ▶ O enredo do Comuna para este ano é: "Lugar de Mulher é... é onde ela quiser!". Você foi uma das compositoras desse samba que já repercute nas redes sociais. Como o machismo aparece no mundo do samba e como você pensa que devemos combatê-lo?

O machismo está em toda parte. No mundo do samba não seria diferente. É evidente que o samba, assim como o futebol, por exemplo, parece, aos olhos de muitos, um reduto mais seguro do machismo, um lugar onde ele pode e deve ser preservado. Isso dificulta muito a construção de uma outra realidade.

É o recorrente "é assim que tem que ser".

Quando pergunto a qualquer amigo do samba por que há tão poucas mulheres compositoras, em geral, a resposta é o silêncio.

Por outro lado, nunca vi esse assunto sendo tão discutido no meio como vejo hoje. E isso me anima bastante. Acho que é por aí mesmo, a melhor forma de combate ao machismo e a outras formas de opressão é não tirar o debate da pauta.

Pensar o machismo não pode ser entendido pelos rapazes como uma ameaça aos homens. É uma ameaça a privilégios, não aos homens. Aliás, eles são muito mais interessantes sem alguns privilégios idiotas.

CQP! ▶ O Comuna se apresenta como um bloco com perspectiva classista. Poderíamos dizer que você é uma "trabalhadora da cultura". Você concorda com esse ponto de vista?

Hum... A princípio, concordo. Mas tenho que pensar mais sobre tudo isso. Tem tanta coisa aí.

CQP! ▶ Muita gente vê o resultado de um trabalho artístico, como a música, apenas como expressão de um talento individual, mas sabemos que ele exige muito esforço e envolve bem mais pessoas do que a artista que sobe ao palco. Como costuma ser a preparação dos shows antes de você subir ao palco?

A preparação é sempre coletiva, não tem como ser diferente. Acho que em caso nenhum.

No meu caso, há envolvimento de amigos de áreas diferentes. Gosto muito de pensar em como posso me juntar aos que bebem comigo em situações de trabalho. Como podemos construir coisas boas.

Marina Iris no Teatro Rival
CQP! ▶ Você gravou um belo CD recentemente de forma, como costumamos dizer, independente. Como foi esse processo?

Foram dois processos: o de arrecadação e o de execução. Ambos contaram com muita colaboração de amigos. Muita gente se doou. Emília fez muita feijoada para arrecadar fundos. Músicos fizeram rodas de samba no amor. Amigos cederam espaços em suas casas e prédios.

Assim a coisa andou lindamente.

CQP! ▶ Seu CD trouxe jovens instrumentistas e compositores, por assim dizer, de primeira viagem. Mas, apesar disso, ou talvez por isso mesmo, o repertório ficou de primeira. Como foi a escolha das músicas? E o processo de gravação? Você pode contar um pouco pra nós como foi?

Neste trabalho, gravei muita música que já cantava em show. Na seleção do repertório, me preocupei em apresentar músicas de novos compositores e canções inéditas de compositores mais antigos no samba.

Gravei músicas da Manuela Trindade, do Bil-Rait Buchecha, do João Martins, do Rafael de Moraes, do Tomaz Miranda.

E também incluí Delicada Portela, de Celso Lima e Sergio Cruz, Empório, da Gisa Nogueira e do Paulo Cesar Feital e Eram dois ou mais, uma música que tem 30 anos, do Feital em parceria com o Claudinho Azeredo.

CQP! ▶ Você pode dizer pra gente quais serão seus próximos passos na música?

Vou cantar muito por aí. É só o que sei.

CQP! ▶ Pra fechar essa nossa entrevista: ansiosa pro dia 16 de fevereiro?

Bastante. Estou contando os dias mesmo. E preparando minha fantasia de Angela Davis.

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E aí? Gostou da entrevista? Ficou com vontade de ouvir um pouquinho do trabalho de Marina Iris? Então se liga nesse vídeo: