29 de jul. de 2014

Palestina: de como desaprender a amar as bombas...

(por Victor Neves)

(Inicio a redação deste texto numa terça-feira 29 de julho de 2014 às 18h horário de Paris.)

Na virada do século XIX pro XX, uma palavra de ordem nascida na Alemanha fez escala na Rússia e de lá se espalhou pro mundo. A verdade, diziam os comunistas a partir dos velhos Lenin e Lassalle, seria revolucionária.

Tempo vai, tempo vem, temos hoje alguns casos para pôr o lema à prova. Tomemos o caso da Palestina. São agora 18h06. Devido à urgência, é necessário conhecer a hora: a cada meia hora, a cada dez minutos ou a cada minuto os números citados neste texto podem simplesmente aumentar muito, assim, de uma hora pra outra, como se se tratasse de metros percorridos em uma caminhada, de flores colhidas num pátio ou de grãos de areia simpaticamente amontoados em um castelinho por uma menina, mas não: trata-se do número de mortos por Israel no “conflito” com a Palestina – que melhor seria chamar de massacre, mesmo sabendo como esta palavra é por vezes usada de modo exagerado.

Pois bem: se a verdade é revolucionária, como é que Israel consegue fazer o que está fazendo ali? Os números, agora às 18h09 do dia 29 de julho de 2014, não deixam muita margem a dúvida: segundo o Wall Street Journal, veículo de comunicação insuspeito de “simpatia pelo Hamas”, o número de mortos palestinos na agressão israelense que já vem em sua terceira semana é 1.156, a imensa maioria dos quais CIVIS. Enquanto isso, o número de mortos israelenses é de... 56! Sendo 53 militares e TRÊS civis... Isso mesmo: 1.100 a menos, o que em termos percentuais significa que temos uma “guerra” em que cerca de 95% dos mortos pertencem a um lado e 5% ao outro. Assim, seria adequado deixarmos de lado essa neutralidade hipócrita de falar em “conflito”, porque simplesmente não é disso que se trata. Afinal: que tipo de “guerra” ou “conflito” é esse que se desenrola numa situação de assimetria deste tamanho? Realmente, a imagem de tanques contra pedras, num caso desse, nada tem de exagerada – ainda mais se considerarmos que Israel efetivamente considera como ataques terroristas também o lançamento de pedras contra seu território, suas edificações ou seu exército.

É preciso afirmar com todas as letras: esta ofensiva de Israel, para além de uma óbvia e horripilante coleção de assassinatos, é mais um capítulo de uma guerra colonial à moda antiga, com direito à discriminação oficial dos “quase-cidadãos” palestinos pelo Estado de Israel e à invasão das terras dos palestinos pelos colonos israelenses, engendrando obviamente reações. Neste cenário, apoiar a ofensiva de Israel é antes de tudo apoiar o colonizador contra os que lutam pela descolonização.

Pelo mundo vêm pipocando as manifestações de apoio à Palestina e ao povo de Gaza, o que é muito importante mas que até o momento não conseguiu frear o ímpeto agressivo israelense. Mesmo o presidente da ONU, este homem que tanto ama silenciar sobre conflitos por aí pelo mundo afora, mesmo este paladino da paz chamado Ban Ki-moon se pronunciou condenando “os exageros” de Israel. Claro... O problema, afinal, são os exageros... E eu, daqui do meu cantinho, fico me perguntando se o problema não seria outro, talvez: mesmo quando, daqui a uns dias ou umas semanas, a sanha assassina de Israel for finalmente freada (desculpem usar esse tipo de palavra, mas realmente não encontro outras), quem vai devolver as vidas àqueles 1.156 mortos? (Às 18h22 do dia 29 de julho, mas sabemos por óbvio que este número vai aumentar.)

Agora são 19h12 aqui. Provavelmente de hoje pra amanhã mais gente será morta em Gaza. Nos últimos dias, Israel já atacou – e reconheceu sem pudor, pois afinal “é necessário desbaratar o Hamas” – um abrigo humanitário da ONU e da Cruz Vermelha, o Ministério da Fazenda palestino e a única grande usina de geração de energia elétrica em Gaza. Como as linhas de energia Israel-Gaza estão cortadas pelos bombardeios de Israel, imaginem o cenário desolador: gente morta e gente morrendo, hospitais e abrigos sem energia, bombas caindo, gente morta e gente morrendo, economia completamente desorganizada com o ministério destruído, bombas caindo, tanques avançando, gente morta e gente morrendo... E chorando... E lutando.

A verdade, hoje, é revolucionária?

Me parece que não exatamente...

Revolucionárias podem ser as pessoas. São revolucionárias quando resolvem procurar verdades, compreender o mundo e agir corretamente, engajando-se contra “massacres humanitários”, bombas assassinas e guerras que se destinam não a libertar povos de opressões coloniais (que podem ser, essas sim, justas), mas a perpetuá-las. Revolucionárias são as pessoas quando param de lamentar a “irracionalidade humana”, clamar pelo “afinal vamos ver o outro lado” e decidem tomar seus destinos nas mãos. Revolucionários são os homens e as mulheres que, ao ver um palestino chorando com sua vida destruída pelas bombas e a brutalização cada vez maior dos soldados israelenses que não sabem mais encarar os palestinos como gente, não aceita isso e, não aceitando, se move!

Encerro esta coluna, se me permitem, fazendo um convite com cara de convocação: diante do arbítrio e do massacre a que temos assistido, e que os habitantes de Gaza têm diretamente vivido, não esperemos “que a verdade resolva as coisas”, porque ela mesma não resolve nada. Verdade por verdade, o massacre vai continuar, e a responsabilidade de cada um que não se opuser ativamente a ele também.

Diante do que está acontecendo em Gaza, a única atitude verdadeira é lutar contra. Nesse sentido, os homens e mulheres de Gaza precisam de que sejamos revolucionários.

Paris, 29 de julho de 2014, 19h36.
1.156 palestinos mortos, e contando...